Café com Vilma Nascimento
Sentado à mesa de um café, não o Nice, ponto de encontro de artistas entre as décadas de 1930 e 1950, ouço ao fundo a música de Chico Anysio e Nonato Busar: Rio Antigo. O bate-papo não é na esquina e também não posso pegar o bonde 12 de Ipanema para ver o Oscarito e o Grande Otelo no cinema. Novo vento sopra para o Centro do moderno Rio, as obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Mas posso continuar a desejar o Carnaval de rua com serpentinas. Os blocos seguem fomentando a folia carioca de onde o samba mexe e remexe com brasileiros, gregos e troianos.
E quando a pauta é habilidade ao dançar, minha memória não pega outro rumo. Numa projeção quase cinematográfica, recordo dos meus tempos de adolescente. As conversas com um sambista e torcedor fervoroso da Portela. Estou falando de meu pai, Herbert Fraga. Ele comentava sobre a habilidade e a beleza dos passos da mais fascinante porta-bandeira da história dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, a lendária Vilma Nascimento.

Que bom tê-la defendendo o pavilhão azul e branco de Madureira e proporcionando espetáculo e notas máximas com o seu riscado belo, admirável e impecável. A perfeição e leveza a levou ao patamar de melhor porta-bandeira de todos os tempos e a batizou com o codinome “Cisne da Passarela”. Porém, tudo tem um começo. Vilma Nascimento não brilhou na Portela de Natal de uma hora para outra. Sua origem é a modesta União de Vaz Lobo, também no subúrbio do Rio.
Jovem bonita e de personalidade forte, Vilma Nascimento era destemida. Com apenas 14 anos de idade disse um sonoro não ao convite de ninguém menos que Natal da Portela. Isso depois de deixá-lo com os olhos esbugalhados e ao mesmo tempo encantados ao se apresentar, na década de 1950, com a bandeira da Portela em um show na boate Night and Day, na Praça Mauá.
Ao saber que uma menina se apresenta com a bandeira da Portela, Natal torceu o nariz, soltou fumaça pelas narinas e foi questionar quem teria dado a autorização para tal atrevimento. A ideia dele era tomar o pavilhão da Águia “na mão grande”, na força, na marra. Entretanto, o bailado da menina Vilma desmontou o bravo Natal. O talento da garota dissipou a fúria e levou aquele homem estressado, dizem, usando paletó de pijama, a esperar o final da apresentação. Só então, ele se dirigiu ao camarim para convidá-la a ser porta-bandeira da Portela.

O impensável aconteceu. Vilma recusou a proposta. Ela explicou ao poderoso Natal que era porta-bandeira da União de Vaz Lobo. Quem diria não para esse ícone do mundo das escolas de samba? Só Vilma. E a vida foi, seguiu o curso normal. O tempo passou. Anos depois, um novo encontro dessas duas personalidades estava programado pelos Deuses do Carnaval! Vilma começava a namorar Mazinho, filho de Natal, mas não imaginava que estava se relacionando com um rapaz ligado ao homem que conhecera, havia três anos, na boate da Praça Mauá.
Enquanto tomo um gole de café com leite e mordo um pedaço de bolo de laranja, comento com uma amiga que, para surpresa de Vilma e Natal, Mazinho apresentou à família o seu amor: Vilma. Os olhares de Natal e Vilma se cruzaram novamente. Com um sorriso maroto, os dois se reconheceram. Ali iniciava um novo e vitorioso traço da história da Portela. Mas Vilma só foi para a Águia em 1957. Natal a queria como primeira porta-bandeira, porém a ética e o respeito dessa mulher falaram mais alto e ela disse mais uma vez não ao patrono. Vilma disse que iria como segunda, porque o posto mais alto era de ninguém menos que a incrível Dodô, a número um do posto da escola. E assim foi feito.
Ainda não tinha completado 19 anos, em 1958, quando Vilma Nascimento assumiu a Portela. Em seguida, ela se casa no dia 1º de fevereiro. E assim, a leveza e o bailado do Cisne da Passarela foi exibido com as cores da Portela na Praça XI, na Avenida Presidente Vargas e na Marquês de Sapucaí. Seu último desfile como porta-bandeira foi em 1988, pela Tradição. Essa passagem pelo Sambódromo, Vilma garante que ocorreu para atender a um pedido do presidente da escola, o Nésio Nascimento, filho de Natal.

Foram 12 campeonatos pela Portela. Na década de 1940, quando a escola conquistou sete títulos seguidos, Vilma Nascimento estava defendendo o pavilhão da Águia de Madureira. Hoje, com mais de sete décadas de vida, ela acompanha o brilho da filha Danielle Nascimento com a bandeira da escola de samba em que fez história. Tradicional, a Portela aceitou a modernidade do carnavalesco Paulo Barros e chegou em 3º lugar no carnaval 2016, embora tenha sido apontada campeã por críticos e público.
E para coroar tanta entrega ao samba, Vilma foi eleita, em 2016, a Cidadã Samba EXTRA, eleição realizada pelo jornal desde 2013. A eterna porta-bandeira da Portela venceu a disputa com candidatos de peso das outras 11 escolas do Grupo Especial. O Cisne da Passarela foi eleito com 27% dos votos. Em segundo lugar, houve empate entre Neguinho da Beija-Flor e Tuninho Professor, da Imperatriz. Nelson Sargento, presidente de honra da Mangueira, chegou em terceiro lugar.
Depois de um café com o recheio da história de Vilma Nascimento, garçom, por favor, a conta!
Quero um bate-papo na esquina…
Crônica: Fernando Fraga